domingo, 27 de fevereiro de 2011

Conjuntura: A votação do Salário Mínimo e o recado do governo Dilma


Publicado em fevereiro 22, 2011 por HC

Dilma Rousseff saiu vitoriosa naquele que foi considerado o primeiro grande teste do seu governo: a aprovação do valor do salário mínimo de R$ 545,00. Não houve concessões. Dilma mostrou-se inflexível. Uma dureza que não se viu no governo Lula. A obstinação com que o governo buscou a aprovação do salário mínimo sem concessões dá indicações do modo de pensar e proceder da presidenta Dilma e mais do que isso, do seu projeto de governo.
A intepretação política da aprovação do mínimo precisa ser “lida” simultâneamente ao anúncio do corte de R$ 50 bilhões no orçamento. A inflexibilidade na negociação do valor do mínimo é um recado para o mercado e o conjunto da sociedade de que o ajuste fiscal proposto pelo governo é para valer. O Palácio do Planalto elegeu o mínimo como a âncora fiscal do início de governo. Salário mínimo e ajuste fiscal tornaram-se faces de uma mesma moeda: “Essa votação é vida ou morte. Sinaliza austeridade num tema que é popular. O simbólico é mais importante”, preconizava o deputado José Mentor (PT-SP) antes da votação do mínimo.
“Bancar o mínimo de R$ 545 foi a cartada mais ousada da presidente Dilma Rousseff até agora. Uma derrota indicaria que o prometido ajuste nas contas federais não é para valer. O recado formaria uma nuvem escura sobre as perspectivas de crescimento econômico do País”, destaca a jornalista Lu Aiko Otta. A tese da consolidação fiscal sai vitoriosa com a aprovação do salário mínimo de R$ 545,00.
A votação do mínimo para além do debate econômico, manifesta ainda o jeito de governar de Dilma ao estilo “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. A votação do salário mínimo, portanto, emite sinais para fora, para a sociedade do que pretende o governo, e para dentro, para a base aliada. Dessa votação emblemática viu-se ainda o silêncio de forças políticas importantes como a CNBB, as Pastorais Sociais e o MST e a postura confusa do movimento sindical, única força política do movimento social a contestar a posição do governo, porém emitindo sinais contraditórios.
O jogo pesado do governo
A vitória folgada do governo na votação do mínimo na Câmara dos Deputados não foi um caminho fácil. O governo teve que utilizar de todo o seu peso para que o projeto fosse aprovado sem alterações e além das exaustivas negociações, barganhou com indicações para o preenchimento de cargos no primeiro e principalmente no segundo escalão.
Na articulação da aprovação do mínimo como postulava o governo, os principais ministros de Dilma entraram em ação: Gilberto Carvalho, Guido Mantega e Antonio Palocci. O ministo da secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, assumiu a negociação com o movimento sindical; Guido Mantega, ministro da Fazenda, foi escalado para esgrimir os argumentos econômicos e Palocci, da Casa Civil, cuidou da interlocução com os partidos políticos.
Teve ainda papel destacado no processo de aprovação do mínimo, o vice-presidente Michel Temer. Toda a articulação foi acompanhada pessoalmente por Dilma e quando necessário entrou em ação, como na conversa com o ministro Carlos Lupi, ministro do Trabalho e um dos núcleos de resistência ao projeto.
A inflexibilidade e dureza do governo no debate do mínimo ficaram claros quando o ministro Gilberto Carvalho, destacado por Dilma para negociar com as centrais sindicais, após intensas e longas negociações com o movimento sindical mandou um recado desde Dacar – Carvalho viajou para o Senegal como representante do governo no Fórum Social Mundial – para as centrais: “Na questão do mínimo, nós entendemos que não há mais negociação. Vamos reafirmar os R$ 545,00”. Gilberto Carvalho, evidentemente, não emitiu o recado por conta própria.
A polêmica
A polêmica entre as centrais e o governo começou pelo valor e pelo acordo verbal estabelecido ainda no governo Lula de que o aumento do salário mínimo seria reajustado com base na inflação acumulada em um ano, mais o percentual do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. Como em 2009 o PIB brasileiro encolheu, em 2011, o acordo estabelece que o salário mínimo seria reajustado com base somente na inflação. Isso resultou no valor de R$ 545,00. As centrais passaram a insistir em R$ 580,00 e acusaram o governo de pouca vontade e ruptura no processo de valorização do salário mínimo.
“Estamos incomodados com o início do governo Dilma. É uma tentativa do mercado de mandar em tudo e não vamos concordar com isso”, disse o presidente da Força Sindical, deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho. “Essa reunião foi frustrante”, resumiu. O sindicalista afirmou que Lula inaugurou uma política de valorização dos mais pobres e “sempre interveio em favor dos trabalhadores”.
O presidente da União-Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, endossou o discurso de Paulinho. “Estamos um pouco surpresos. Ela (Dilma) não nos atendeu ainda e engessou as negociações. Isso está dificultando muito”, reclamou. Já o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva, destacou que os sindicalistas não vão abrir mão do aumento real do salário mínimo e da correção da tabela do IR. “Queremos a continuidade do que foi feito no governo Lula“, afirmou.
O governo respondeu com o discurso de manutenção do acordo: ”Não é verdade que haja uma ruptura”, disse Carvalho. As centrais têm dificuldade em manter o acordo pelo fato de o PIB de 2009, com a crise internacional, ter sido 0,6% negativo”. O governo havia cogitado antecipar parte do reajuste que seria aplicado em 2012, mas a ideia foi abandonada. “Eles querem uma exceção para 2011. Aí fica uma negociação aleatória”, disse Guido Mantega.
Um apoio forte aos argumentos do governo veio do ex-presidente Lula ao afirmar que os sindicalistas estavam sendo oportunistas. Lula lembrou a participação dos sindicatos na discussão do acordo que resultou na atual política de reajuste do mínimo. “Isso foi um acordo feito com os dirigentes sindicais quando o Luiz Marinho era o ministro da Previdência. Foi combinado que o reajuste seria feito com base no PIB e na inflação até 2023 para que a gente pudesse recuperar definitivamente o salário mínimo”, e ascrescentou: “O que não pode é nossos colegas sindicalistas quererem a cada momento mudar as regras do jogo. Ou você tem uma regra, aprova na Câmara e vira lei e todo mundo fica tranquilo, ou você fica como o oportunista”, disse Lula.
Reconhecendo o acordo, o presidente da CUT, Artur Henrique, contra-argumentou lembrando que quando sobreveio a crise econômica internacional o governo adotou uma série de excepcionalidades e que poderia adotar o mesmo critério: “A mesma excepcionalidade com que o governo tratou a indústria, as instituições financeiras na época da crise deve ser aplicada agora ao salário mínimo. Não dá para usar o salário mínimo como forma de conter inflação”, disse ele.
Percebendo a inflexibilidade do governo, as centrais optaram pela estratégia de tentar aumentar o mínimo para R$ 560,00. O governo, porém, percebendo que ganhava força a tese dos R$ 545,00 aferrou-se à sua proposta e acrescentou a ela ainda uma nova ideia, transformar o acordo informal entre centrais e governo – reajuste do salário mínimo levando em conta a inflação e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior – em projeto de lei.
Manter uma regra acordada entre sindicatos, trabalhadores, empresas e governo é defendida por muitos como forma de definitivamente estabelecer uma política de valorização do salário mínimo. É o que defende, por exemplo, o economista Claudio Dedecca em entrevista ao IHU. Segundo ele, ”é preciso abandonar a postura de pensar o Brasil a curto prazo”. Na opinião do economista, preservar a política de reajuste progressivo do salário mínimo com base no crescimento econômico do país é a alternativa mais eficaz para garantir, a longo prazo, um salário condizente com as necessidades dos trabalhadores.
O preço político do mínimo
Como estratégia final o governo escolheu o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), para ser relator do projeto. Vicentinho, que foi presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), colocou-se contra a central que presidiu e assumiu sem constrangimentos a tarefa: “Recebi a tarefa de relatar o projeto do mínimo, mas não sinto qualquer dificuldade em assumir essa relatoria e debater o assunto com as centrais”.
Durante a sessão de aprovação do mínimo, ao defender a proposta do governo o ex-sindicalista foi vaiado. Depois afirmou que se sentia recompensado por cumprir uma missão como verdadeiro petista. O ex-presidente da CUT recebeu o agradecimento de Dilma Rousseff e até, contraditóriamente, do atual presidente da CUT Artur Henrique: “Vicentinho não foi eleito apenas por ‘cutistas’. Vários trabalhadores de outras centrais também votaram nele, além de ele representar outras lutas, como contra o racismo”, disse Artur procurando amenizar a postura vexatória de Vicentinho.
A estratégia determinante, entretanto, para a aprovação do mínimo como queria o governo foi o adiamento das nomeações do segundo escalão federal e a liberação de recursos para as emendas dos parlamentares. Nos primeiros 11 dias de fevereiro, às vésperas da votação do valor do novo salário mínimo, o governo pagou um total de R$ 653,7 milhões de gastos autorizados ou ampliados por meio de emendas parlamentares. O ritmo de liberação de verbas públicas nesse período aumentou 441% em relação a janeiro. O exemplo de um dos agraciados: “Fui premiado”, disse Chico da Princesa (PR-PR), contemplado com a liberação de R$ 1,7 milhão para programas de saúde no Paraná e a construção de cartório eleitoral no município de Joaquim Távora.
A fidelidade de toda a bancada do PMDB à presidente Dilma Rousseff na aprovação do salário mínimo de R$ 545 pela Câmara também teve um preço. O partido voltou a cobrar a nomeação de afilhados da legenda no segundo escalão do governo, principalmente aqueles que já estavam pré-negociados, mas foram adiados pela presidente até a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado e da votação do salário mínimo.
Entre os exemplos de “pagamento ao PMDB” pela fidelidade, o partido aguarda a nomeação, entre outros, de: Henrique Meirelles (Autoridade Pública Olímpica), Geddel Vieira Lima (vice-presidência de Governo e de Loterias da Caixa), Orlando Pessuti (vice-presidência de governo do Banco do Brasil), Sérgio Dâmaso (Departamento Nacional de Produção Mineral), Marcos Lima (diretoria de Furnas), Jorge Luiz Zelada (Diretoria Internacional da Petrobrás), Paulo Roberto da Costa (diretoria de Abastecimento da Petrobrás), Ruy Gomide (Coordenador regional da Funasa em Goiás), Elias Fernandes (diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras contra as Secas – Dnocs). Evidentemente que por detrás desses nomes estão caciques nacionais e regionais do PMDB.
Um dos nomes que mais sai fortalecido do PMDB junto ao governo é o vice-presidente Michel Temer. O PMDB foi o partido mais fiel ao governo na votação do salário mínimo de R$ 545,00. Os 77 deputados do partido votaram fechados contra as propostas de um valor maior. O PT, por sua vez, registrou duas dissidências a favor do mínimo de R$ 560,00. Por detrás dessa unanimidade do PMDB encontra-se Temer. Foi dele também a ideia de apresentar um projeto de lei, ao invés de votar a medida provisória de R$ 545,00, furando a fila das 10 MPs que trancavam a pauta da Câmara. Por outro lado, quem sai chamuscado da votação foi o ministro do Trabalho Carlos Lupi do PDT. Lupi não conseguiu garantir a coesão do partido junto ao governo e deve perder força e espaço.
Tese do ajuste fiscal sai vitoriosa
O leitmotiv central para a inflexibilidade e insistência do governo na aprovação do mínimo de R$ 545,00 foi o ajuste fiscal, particularmente o medo de perder o controle sobre a inflação. O homem forte da economia no governo Dilma, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deu o recado de que não aceita perder o controle da inflação no seu primeiro ano de mandato. A inflação oficial de 5,9% em 2010, a maior em seis anos, foi decisiva na decisão da presidente Dilma Rousseff de não aceitar negociar um valor maior para o mínimo.
A aprovação de um mínimo que mal reporá a inflação, a possível elevação da taxa de juros, e o corte drástico de R$ 50 bilhões no orçamento, inserem-se num mesmo quadro: desacelerar a economia. A justificativa nem sempre explicitada dos cortes é que isso reduz a quantidade de dinheiro em circulação na economia e reduzindo a atividade econômica, controla-se a inflação.
Num raro arroubo de transparência, a secretária de Orçamento do Ministério do Planejamento, Célia Corrêa, afirmou que “com R$ 50 bilhões não fica muita coisa de pé”, numa referência ao corte do orçamento. Com os cortes, “o país adia outra vez a possibilidade de mudar de patamar no ritmo e na qualidade do crescimento”, diz Vinicius Torres Freire. O crescimento para 2011 e 2012 deve recuar e o PIB cair.
No debate, portanto, sobre o mínimo venceu a tese do ajuste fiscal. Evitar uma elevação do mínimo tornou-se peça emblemática da consolidação fiscal. Algo explicitado pelo ministro Gilberto Carvalho: “Não faremos loucura. O corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União mostra a gravidade da situação fiscal e, ao mesmo tempo, a seriedade do governo”. O mesmo disse Mantega: “Não temos condições, do ponto de vista fiscal, de aumentar a despesa em relação ao que ela é”.
O ministro Gilberto Carvalho comparou ainda o esforço fiscal do atual governo com o ajuste feito em 2003, primeiro ano do governo Lula. Na oportunidade, com receio de que a crise econômica se agravasse com a inflação recrudescendo, a paridade U$ 1,00 = R$ 4,00 e o risco Brasil aumentando, o governo além de nomear Henrique Meirelles para o Banco Central, aumentou a taxa de juros de 25% para 25,5% e depois 26,5%. O superávit primário de 3,5% para 3,75% e posteriormente para 4,25%, e fez cortes no orçamento no montante de R$ 14 bilhões que chegaram a atingir a área social.
A postura agressiva do governo na votação do mínimo emitindo um sinal que não relaxará com a “agenda fiscal” pode trazer a médio prazo dissensões internas. O comentarista político Cristiano Romero, destaca que “passado o primeiro mês e meio da gestão Dilma Rousseff, já é possível enxergar, dentro do governo, pelo menos dois grupos com visões distintas sobre a economia. Um deles defende a ideia de que, para combater a inflação, o setor público tem que apertar o cinto agora e, assim, contribuir para conter a demanda agregada da economia. O outro teme que uma contração fiscal forte, combinada com o aperto monetário que o Banco Central (BC) começou a promover em janeiro, derrube o Produto Interno Bruto (PIB), reduzindo drasticamente a taxa de crescimento”.
Segundo ele, “no primeiro grupo, estão o presidente do BC, Alexandre Tombini, e, de maneira muito discreta, o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. No segundo, estão o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seu secretário-executivo – e principal formulador na equipe econômica -, Nelson Barbosa”. Os embates já teriam começado, relata o comentarista político.
Nesse debate, Guido Mantega ficou numa situação difícil. Reconhecido como desenvolvimentista teve que agir como fiscalista. A postura zigue-zague de Mantega, explica-se em função do debate interno no governo. Parte da equipe da Fazenda avalia que os cortes prometidos e os que virão – se o ajuste fiscal for para valer – reduzirão os investimentos e afetarão a atividade econômica. Esses técnicos defendem um norte mais claro para a política econômica do governo Dilma. Para esse grupo, o ministro estaria errando no tom ao apoiar a tese de que o aumento dos gastos públicos tem papel decisivo no aumento da demanda.
A visão contraposta diz que a inflação em alta estaria mais associada a mudanças estruturais na economia brasileira, que ainda não foram atacadas. Um exemplo seria a política de reajustes reais do salário mínimo – 53% no governo Lula -, que teve papel decisivo nos últimos anos para o aumento da distribuição de renda. Esses aumentos é que estariam agora puxando a inflação.
O debate apenas começou. Dilma, ao menos no ínicio de seu governo, e reeditando Lula quando também do início do seu governo, optou pela ortodoxia.
O jeito Dilma Rousseff de governar
A pauta do salário mínimo revelou também o jeito de governar de Dilma. Pela imprensa Dilma vem sendo descrita como a presidente da discrição. Passou o primeiro mês de mandato quase silenciosa e afeita a reuniões reservadas. Em contraposição à Era Lula que se manifestava várias vezes ao dia, Dilma mostrou-se econômica no uso das palavras.
Ao contrário de Lula, que tinha uma relação de amizade e de informalidade com os petistas próximos, com Dilma o tratamento é quase protocolar. De acordo com informação de auxiliares da presidente, destaca a imprensa, ela procura não fazer distinção entre um ministro petista e um de outro partido e procura se ater mais aos objetivos traçados para as pastas dando ênfase na cobrança de números e detalhes de projetos e ações – característica já conhecida da época da Casa Civil.
Diz-se ainda que, ao contrário de Lula, que fazia festa toda vez que se encontrava com velhos militantes petistas, Dilma não age assim. Até porque não teve origem no PT, mas no PDT de Leonel Brizola. Lula gostava de falar de pescarias, futebol e do tempo de sindicato. Dilma prefere falar de artes, literatura e música. Destaca ainda a imprensa que Dilma cobra silêncio de ministros e assessores diante da mídia e é dura com os auxiliares, não admitindo dúvidas e respostas que começam com “eu acho”.
O estilo Dilma de governar vem se manifestando nas nomeações de governo e também por ocasião da votação do mínimo. A dispusta por Furnas é citada como um dos exemplos do estilo Dilma. A presidenta não admite disputas pela mídia nem ter sua autoridade questionada: “Não aceito. Vou dizer de novo: não, não e não!”, disse Dilma sobre as indicações do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não só para Furnas, mas também para todos os cargos do setor elétrico. Dilma teria ainda enfrentado o PC do B ao indicar o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles para presidir a Autoridade Pública Olímpica. Na interlocução para as nomeações privilegia os partidos e quem tem força neles. No caso do PMDB os interlocutores priveligiados são José Sarney e Michel Temer.
No caso da votação do mínimo, Dilma teria comandado pessoalmente toda a estratégia de ação. O recado do líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), de que “quem votar contra os R$ 545 será considerado dissidente”, seria um recado da própria Dilma Rousseff. Também teria partido de Dilma o fim da negociação e antecipação da votação do mínimo, como ficou manifesto no recado enviado pelo negociador Gilberto Carvalho desde Dacar (Senegal).
Ainda segundo a imprensa, a presidente teria ficado irritada com a postura titubeante do ministro Carlos Lupi. O ministro, da cota do PDT, não irá cair ao menos no momento, mas sai enfraquecido junto ao governo.
O silêncio do movimento social
O silêncio da Igreja
Durante todo o processo de debate e embate do salário mínimo surpreendeu o silêncio do movimento social, particularmente das forças sociais comprometidas com a superação da desigualdade na sociedade brasileira. Um exemplo claro foi o da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Na mesma quarta-feira, dia 16 de fevereiro, em que o Congresso votava o salário mínimo de R$ 545,00, o Conselho Episcopal Pastoral da CNBB (Consep), orgão máximo diretivo da entidade, abaixo apenas de sua Assembleia, encontrava-se reunido e não se manifestou sobre o salário mínimo – a principal agenda em pauta no país.
Os bispos, entretanto, divulgaram uma nota no final da mesma tarde em que a poucas centenas de metros se debatia o salário mínimo, manifestando-se sobre o “baixo nível moral que se verifica em alguns programas das emissoras de televisão” – citando especialmente os reality shows “que têm o lucro com seu principal objetivo”.
A Igreja, e particularmente em seu interior as pastorais sociais, possuem longa tradição de manifestar-se sobre a realidade do mundo do trabalho. Em função disso, estranha-se o silêncio. Ainda mais porque o tema do salário mínimo sempre foi caro ao debate interno no mundo da Igreja. Basta lembrar as campanhas lideradas, outrora, pela Pastoral Operária. Aliás, Gilberto Carvalho, foi um dos fundadores da Pastoral Operária do Paraná, nos idos de 1970, e, depois, atuou como ‘liberado’ na Pastoral Operária Nacional.
O valor do salário mínimo, como destaca Raquel Júnia, aponta “a necessidade de se pensar os direitos constitucionais dos brasileiros, como o direito à educação e à saúde”. Segundo ela, o valor que “a Câmara dos Deputados aprovou e vigorará durante todo o ano de 2011 é de apenas R$ 5 reais a mais do que era em 2010, alguns reais a menos do que pediam algumas das centrais sindicais e exatamente R$ 1.649,76 reais a menos do que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta como o salário mínimo necessário para garantir as necessidades vitais básicas dos brasileiros e suas famílias, conforme define a Constituição do país”.
Destaca ainda que de acordo com o Dieese, cerca de 47 milhões de brasileiros são remunerados com valores referenciados no salário mínimo e lembra o texto constitucional que diz que o salário mínimo deve ser fixado em lei, e deve ainda ser “nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”. É exatamente esse conteúdo que sempre foi caro às pastorais que ficou deixado de lado.
Tampouco o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, sempre atento à agenda política do país, manifestou-se sobre o debate do mínimo.
A pressão moderada das centrais
Contraditoriamente, coube às centrais sindicais que sempre foram acusadas de pouca sensibilidade com a pauta do salário mínimo, e ao seu jeito, o enfrentamento de contestação ao mínimo do governo. Quando se afirma “ao seu jeito”, deve-se ter presente que as mesmas vivem um dilema.
Ao mesmo tempo em que reivindicam o aumento real do salário mínimo para atender suas bases, descartam afastar-se do governo federal e evitam o confronto direto com a presidente. O movimento sindical pretende influenciar os rumos da política econômica da gestão Dilma, mas não quer perder conquistas dos últimos anos, como o caixa das centrais reforçado pelo repasse do imposto sindical e a participação no governo.
O resultado foi pressão moderada das centrais. “Não vamos romper. Somos parceiros e apoiamos Dilma“, diz o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), presidente da Força Sindical. A mesma postura teve a CUT que fez o enfrentamento no debate ideólogico mas evitou “esticar por demais a corda”.
Para o sociólogo Ricardo Antunes, a postura moderada das centrais deve-se à perda de autonomia das centrais nos últimos anos: “As centrais dependem do governo e estão cooptadas. Contestam o reajuste sem confrontar o governo, porque querem participar dele, aumentar o espaço do ‘trabalho’ [no Planalto]“, diz.
Que esquerda?
O Partido dos Trabalhadores – PT apresentou resolução defendendo o mínimo de menor valor. A Central Única dos Trabalhadores – CUT moderou o enfrentamento. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST sequer se manifestou. A CNBB e as pastorias sociais também passaram ao largo do principal debate no último mês e meio. A votação do salário mínimo evidencia uma esquerda errática, confusa e perdida.
Em outros tempos, essas mesmas forças sociais não teriam titubeado e teriam sido enérgicas na crítica ao aumento insignificante do mínimo. Lideranças expressivas do movimento social, como Vicentinho (ex-presidente da CUT) e Gilberto Carvalho, entre tantos, esgrimam argumentos para justificar o que em outros tempos teriam duramente criticado.
Nesses mesmos dias de intenso debate sobre o salário mínimo e inversões de posicionamento, outro fato conjuntural que passou despercebido por muitos aconteceu na esplanada dos ministérios: a audiência entre caciques e lideranças ribeirinhas com os representantes do governo Federal para debater a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

O relato da audiência feito pelo jornalista Leonardo Sakamoto é esclarecedor por si só. Reproduzimos trechos do relato:
“Raoni Metuktire fez um longo discurso em kayapó sobre o fato do governo mexer com o que não conhece e derrubar matas para depois ficar refém de ventos e chuvas que tudo inundam e com tudo acabam. O dedo de Raoni esteve por longos minutos no nariz de Sotilli [Rogério Sotilli, secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência].
- “Fico triste em ouvir críticas aos governos Lula e Dilma”, disse Sottili. “Lula prometeu que não enfiaria Belo Monte goela abaixo das populações do Xingu. Sempre ouvi dizer que houve muito diálogo. Talvez, com o que vocês dizem agora, não foi tanto assim…” – ponderou. Prometeu que, a partir de agora, estarão garantidos os diálogos.
Mas depois adiantou o que esperar das conversas: “Dilma fará o que tem que ser feito” E: “Dilma tem que pensar o Brasil como um todo, atender todos os interesses, incluir toda a nação…” E mais ainda: “Garanto que vamos dialogar, mas claro, podemos não chegar a um consenso”.
Pouco depois, lá fora, no concreto da praça dos Três Poderes, debaixo de um sol de rachar, caciques e lideranças ribeirinhas prestaram contas aos manifestantes reunidos com faixas e cartazes. Algo do tipo: o povo do governo explicou que dialogar significa que a gente tem o direito de falar, eles vão ouvir mas, no final, a gente vai ter que sair das nossas terras de qualquer jeito”.
Conjuntura da Semana em frases
Salário Mínimo
“A decisão da presidente Dilma Rousseff de declarar encerradas as negociações com as centrais sindicais e os partidos da base sobre o reajuste do salário mínimo de 2011 – fincando pé no valor fixado de R$ 545 – é uma demonstração de autoridade e coerência política. Não é pouca coisa para quem tem léguas a percorrer na construção de um estilo de liderança pessoal que resgate a sua imagem da sombra do seu padrinho e grande eleitor Luiz Inácio Lula da Silva” – editorial “O estilo de Dilma no caso do mínimo” – O Estado de S. Paulo,10-02-2011.
Vida ou morte
“Essa votação é vida ou morte. Sinaliza austeridade num tema que é popular. O simbólico é mais importante” – José Mentor, deputado federal – PT-SP, sobre a votação do salário mínimo – O Globo, 09-02-2011.


Calculadora do inimigo
“Num país que precisa crescer extraordinariamente a ortodoxia econômica pode ser uma distração. Um governo cuja prioridade declarada é eliminar a miséria do país não pode fazer isso usando uma contabilidade convencional, ou a calculadora do inimigo” – Luís Fernando Verissimo, escritor – O Estado de S. Paulo, 17-02-2011.
Vilão
“Queria deixar claro que aqui não tem a ala boazinha nem a ala malvada. É todo mundo governo” – Guido Mantega, ministro da Fazenda, na reunião com as centrais sindicais que contou com a presença dos ministros Gilberto Carvalho (secretaria geral da Presidência) e Carlos Lupi (Trabalho) - Folha de S.Paulo, 05-02-2011.
18 dias
“Para ganhar, a gente teria de dormir 18 dias na praça” – Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical e deputado federal – PDT – SP, sobre a votação do salário mínimo, ontem, na Câmara – Folha de S. Paulo, 17-02-2011.
Figurino
“Estou adorando esta sua camiseta de sindicalista. Só falta o capacete” – Paulo Teixeira, líder do PT, provocando o colega do DEM, ACM Neto (BA), defensor dos R$ 560 – Folha de S. Paulo, 17-02-2011.
Outdoors
“O PSDB vai espalhar, estes dias, outdoors nas grandes cidades com os nomes dos deputados do PT que votaram contra o aumento do salário mínimo. Igual ao que o PT fazia nos tempos de oposição” – Ancelmo Gois, jornalista – O Globo, 17-02-2011.
Jornal
“Se o PDT votar pelos R$ 560, o Lupi vai voltar a vender jornal” – Sílvio Costa (PTB-PE), deputado federal. Antes de entrar na política, Lupi era dono de banca de jornal no Rio de Janeiro – O Estado de S.Paulo, 16-02-2011.
Feeling
” A relação da presidente com o Congresso dependerá da relação dela com a rua. Se o país estiver bem, o Congresso estará bem. O Congresso tem um ‘feeling’ perfeito e não joga contra quem está bem com a sociedade” – Jaques Wagner, da Bahia – PT – Valor, 15-02-2011.

Orçamento
“A ideia, discutida na reunião de coordenação do governo, é que os ministros sofram calados” – Renata Lo Prette, sobre corte de R$ 50 bilhões no Orçamento de 2011 – Folha de S.Paulo, 15-02-2011.
Papagaio
“Papagaio velho não aprende a falar” – ministro referindo-se a Paulo Paim, senador – PT-RS, que insiste em negociar um valor maior para o salário mínimo – O Globo, 12-02-2011.
Charme
“Do jeito que a coisa vai, Dilma pode chegar ao fim do ano mais candidata a unanimidade do que o próprio padrinho Lula. Os bancos estão saciados, os economistas, crédulos, e a população não reclama. A imprensa nacional é cheia de elogios, a internacional já badala até o seu “charme” – Eliane Cantanhêde, jornalista – Folha de S. Paulo, 18-02-2011.
“Amiga, amiga…”
“Feliz da vida com o apoio total do PMDB ao governo na votação do salário mínimo, Dilma Rousseff pretende seguir adiante na política de adestramento do principal partido de sua base aliada. Quer ensiná-lo agora a dar a patinha e se fingir de morto” – Tutty Vasques, humorista – O Estado de S. Paulo, 18-02-2011.
Qual é…
“Já são vários os casos de grandes empresários que tentaram e ainda não conseguiram ser recebidos por Dilma no Planalto. De tanto insistir, um deles, frequentador do palácio na era Lula, foi aconselhado por auxiliares da presidente a dar um tempo” – Renata Lo Prete, Folha de S. Paulo, 13-02-2011
…o assunto?
“Ela não recebe pessoas. Ela recebe pautas” - um antigo observador dos modos de Dilma – Folha de S. Paulo, 13-02-2011.
Falar bem…
“Falar bem de Dilma pode ser uma maneira sutil de continuar falando mal de Lula. Em suma: muitos dos elogios feitos não são para Dilma, mas contra Lula” – Zuenir Ventura, escritor – O Globo, 12-02-2011.
Adorando
“Estou adorando Dilma. Lula era muito show business. Dilma mandou guardar a Bíblia e o crucifixo, adiou a decisão sobre a compra dos caças, portou-se magnificamente bem na Argentina” – Caetano Veloso, compositor e músico – O Globo, 06-02-2011.
Diferentes
“Não tem modelo pior ou melhor. São estilos muito diferentes. O Lula era palanqueiro e Dilma, não” – José Eduardo Dutra, presidente nacional do PT – O Globo, 06-02-2011.
Ética
“A ética para mim não tem sido só palavras, mas exemplo de vida inteira” – José Sarney, eleito pela 4ª vez presidente do Senado – Folha de S.Paulo, 02-02-2011.
Tarifa
“Desde 2006, a tarifa aumentou 50%, enquanto a inflação do período foi de 30%. Atualmente, até a parcela de uma motocicleta pode ser mais barata que o gasto mensal com a passagem de ônibus” – Lucas Monteiro de Oliveira e Nina Cappello Marcondes, militantes do Movimento Passe Livre, sobre o aumento da tarifa de R$ 2.70 para R$ 3,00 em São Paulo – Folha de S.Paulo, 16-02-2011.
Pelé no banco de reservas
“Homem forte de Lula mantido no governo Dilma, Gilberto Carvalho dizia orgulhoso no início do ano: “Temos um Pelé no banco de reservas”. O jogo mal começou e o rei já quer matar a bola no peito” – Fernando de Barros e Silva, jornalista – Folha de S. Paulo, 09-02-2011.
Xingu
“O Parque Indígena do Xingu talvez seja o maior patrimônio do Brasil hoje. Mais valioso que todo o petróleo, soja, carne, ferro que tiramos do nosso solo, ou todo automóvel, motocicleta, geladeira que fabricamos” – Cao Hamburger, cineasta, diretor do filme “Xingu” – Folha de S.Paulo, 06-02-2011.
“O que está protegido ali é um novo paradigma de como o ser humano pode e deve viver. Se nossos dirigentes tivessem interesse em entender a cultura dos indígenas, abortariam qualquer projeto que os ameaçasse, como Belo Monte” – Cao Hamburger, cineasta, diretor do filme “Xingu” – Folha de S.Paulo, 06-02-2011.
Água mole
“O que está acontecendo no Egito é simples: água mole em pedra, dura tanto bate até que fura. Chegou uma hora em que o povo falou: “Eu existo, quero participar” – Luíz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República – Folha de S. Paulo, 08-02-2011.
Pirâmide social invertida
“E diz que a pirâmide social do Egito é de cabeça pra baixo!” – José Simão, humorista – Folha de S.Paulo, 02-02-2011.
Agito
“E o Egito? O Egito mudou de nome pra AGITO!” – José Simão, humorista – Folha de S.Paulo, 01-02-2011.
Dignidade
“As pessoas querem liberdade e o fim desse sistema atolado em corrupção. Trata-se acima de tudo de uma luta pela nossa dignidade” – Ghian Fadel, 30 anos, atriz, sobre a manifestação do povo egípcio – Folha de S.Paulo, 02-02-2011.
Alarmante
“O número de suicídios tentados e consumados na cidade de São Paulo cresceu nada menos que 62,8% nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério Público. Em 2000, de acordo com os boletins de ocorrência da capital, foram registrados 581 casos. Ano passado, o número pulou para 946: uma triste média de quase três mortes por dia.No mesmo período, a população da cidade cresceu apenas… 5,78%, como mostra o IBGE” – Sonia Racy, jornalista – O Estado de S. Paulo, 08-02-2011.
Alarmante 2
“Mauricio Lopes, promotor do júri, investigará as regiões da cidade mais sensíveis a este tipo de morte. Agora por meio da Promotoria de Habitação e Urbanismo, onde se encontra. Pretende analisar ofertas públicas de lazer, saúde e convivência social à disposição da população. “Esta cidade está matando as pessoas de infelicidade”, avalia – Sonia Racy, jornalista – O Estado de S. Paulo, 08-02-2011.
Porto Alegre
“Sou partidário de que o próximo FSM seja em Porto Alegre por uma razão muito prática. O Fórum tem uma cultura ainda muito precária e a desordem relativa deste ano é um golpe forte para ele. Por isso seria necessário que o próximo funcionasse como um relógio, com tradução e programa” – Eduardo Lander, sociólogo venezuelano, um dos organizadores do FSM de Caracas – O Globo, 14-02-2011.
Bullying
“E a última, ops, a penúltima do Sarney. Influenciado pelo Ronaldo, Sarney confessa: “Tenho uma doença chamada HIPERNEPOTISMO!”. Então ninguém pode falar mal. É como o Ronaldo! Agora fazer piada de gordo com o Ronaldo é “bullying”! Há um mês, pichavam nos muros: Ronaldo Gordo. Agora é “bullying”. E dizer que o Sarney nomeia a parentada é “bullying”" – José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 18-02-2011.
Despedida
“Ao ‘se matar’ ontem à tarde, o Fenômeno angariou simpatia quase unânime. Parecia querer repetir o efeito obtido pelo presidente Getúlio Vargas ao se suicidar em 1954” – Rodrigo Mattos, jornalista – Folha de S.Paulo, 15-02-2011.
Sucesso e fracasso
“O sucesso do governo Dilma é o meu sucesso. O fracasso de Dilma é o meu fracasso” – Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República – O Estado de S. Paulo, 11-02-2011.
Volta à realidade
“QUE GENTE TODA É ESSA NO NOSSO AVIÃO?” Dona Marisa Letícia, ao embarcar ontem com Lula no primeiro voo comercial do casal nos últimos 8 anos” – Tutty Vasques, humorista – O Estado de S. Paulo, 10-02-2011.
(Ecodebate, 22/02/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

sábado, 12 de fevereiro de 2011

"AudioOk - A Comunidade Virtual da Música"

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

PHA: calma, Miriam Leitão! Não há revolução via web ou celular

Este ansioso blogueiro teve a infelicidade de assistir ao Bom (?) Dia Brasil, esta manhã. (Não seria gentil desligar a tevê da cozinha …) E viu, perplexo, a urubóloga Miriam Leitão exibir um gráfico sobre a venda de celulares no Egito.

Por Paulo Henrique Amorim, no blog Conversa Afiada
Um espanto. O Renato e a Renata pareciam diante de um milagre de Fátima! A venda de celulares aumentou vertiginosamente – como em todos os cantos do mundo, inclusive no Brasil. Logo, a revolução!

A revolução americana de 1776, a Francesa de 1789 e a Bolchevique de 1917 – algumas revoluções de razoável consequência – dispensaram a internet e o celular. Não consta que Lenine ou George Washington mobilizassem forças e traçassem estratégias com a ajuda do twitter.

No Irã, onde se diz que houve uma profusão de torpedos, os torpedos deram n’água. Não fizeram revolução nenhuma. Quem estava lá, lá ficou.

Essa fetichização da tecnologia não passa de papo furado de conservador para desqualificar movimentos populares. O Mubarak não vai cair por causa dos celulares da urubóloga. Ele vai cair porque a galera foi para a rua. E iria com ou sem os celulares de urubóloga.

Essa fetichização é um merchandising da Indústria da Telecomunicação. A TIM e a Vivo deveriam patrocinar o Bom (?) Dia Brasil. (Recomenda-se a Globo não aceitar o patrocínio da BrOi, porque lá na Bahia o pessoal tem uma certa implicância com a BrOi.)

Mark Zuckerberg, o quindim de Iaiá da Time, que o escolheu o Homem do Ano, ficou muito feliz com a “revolução” da urubóloga. Se ele é capaz de derrubar o ditador do Egito (não sem, antes, obter a aprovação do Departamento de Estado) o que mais ele poderá fazer?

Ele poderá vender esse “poder” miraculoso a meia dúzia de anunciantes. A capa da Time revela que o Facebook hoje tem os maiores anunciantes convencionais dos Estados Unidos – da Proctor and Gamble, à Nike e ao Viagra.

Já imaginou? O Zuckerberg oferecer num mesmo pacote, com bonificação de volume, “Viagra + derrubar o rei Abdullah da Arábia Saudita”? Quem sabe WPP, a maior agencia de publicidade do mundo, não compra isso? E repassa aos dois gênios do Google?

Faz parte da pseudo ingenuidade do pensamento conservador imaginar que a “ciência é neutra”. Que a tecnologia é neutra. Os neoliberais, por exemplo, pregavam que o Banco Central é “neutro”. É tudo a mesma “teologia”. Agora, celular faz revolução.

Daqui a pouco o jornal do Murdoch para Ipad, The Daily, vai vender à Chevron um anúncio com a promessa de derrubar o Chávez.