terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Liberdade religiosa: os equívocos no serviço público

Por Blog de evanna_soares
Link: http://evanna_soares.blog.uol.com.br/

O Brasil é um estado laico, assim proclamado desde a primeira Constituição republicana de 1891. Todos sabemos disso. Mas nem todos compreendem o real sentido da expressão e poucos agentes estatais se comportam conforme a regra: uns insistem em professar sua fé em serviço, enquanto outros querem abolir do espaço público tudo que seja símbolo religioso.
Em janeiro último, a imprensa cearense (Jornal O Povo) veiculou um pronunciamento do presidente do Tribunal de Justiça local, dando conta da sua preferência, como "fundamento" para julgar, pela religião católica. Assim, segundo a publicação, se ele tivesse dois cidadãos dependendo de uma sentença, absolveria o "católico", por acreditar ser ele uma pessoa melhor.
Não se trata de exemplo isolado na magistratura cearense: no Tribunal Regional do Trabalho, Planário e Primeira Turma, reza-se um "Pai Nosso" antes das sessões. Os presentes tem que se levantar e acompanhar os juízes na oração. Quem quiser conferir, compareça na sede do órgão, na Av. Santos Dumont, Fortaleza, às segundas, terças (e, às vezes, às quartas-feiras), às 14h. Reclamações contra essa praxe foram rejeitadas, ao argumento de que se trata de assunto interno do Tribunal.
A esses casos somam-se inúmeras práticas religiosas levadas a efeito, pela maioria da religião dominante, no interior das repartições públicas, como a celebração da Páscoa, por exemplo.
Sabe-se que o povo brasileiro é religioso. Ninguém pode pretender a eliminação dessa religiosidade, que, aliás, segundo me parece, é saudável e necessária ao conforto do espírito.
As tradições religiosas, muitas vezes, confundem-se com as manifestações culturais e, em assim sendo, quer dizer, como direitos culturais, o Estado pode e deve fomentar-lhes, para que não caiam no esquecimento do povo. Aí repousa o fundamento para que o Estado ceda espaços públicos (praças, estádios, etc.) e até subsidie financeiramente determinadas festas religiosas, que também constituam manifestações culturais da comunidade. Nessa hipótese não se está cogitando de favorecimento religioso, mas, sim, de promoção dos direitos culturais amparados constitucionalmente. São muitos os casos, ainda, em que são constatados interesses governamentais em manter vivas as tradições religiosas, por motivos econômicos, uma vez que tais celebrações trazem desenvolvimento para as economias locais e muitas cidades vivem em torno do conhecido "turismo religioso"..
Ao Estado, como laico que é, compete respeitar a religiosidade do povo. Respeitar, no caso, significa não adotar ou não preferir nenhuma religião; não discriminar nem permitir que se discrimine alguem por motivo religioso. Cabe ao Estado, nesse contexto, também respeitar o direito de quem não tem religião, não quer professar nenhuma fé, não acredita em nenhum deus, enfim. É assim que se garante a liberdade religiosa.
No Estado laico em que se respeita a liberdade religiosa dos cidadãos, os funcionários e agentes políticos não podem motivar seus atos funcionais segundo a religião pessoalmente professada. Bom exemplo a seguir foi aquele o dado pela Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, na ação direta de inconstitucionalidade da lei de biossegurança: votou a favor das pesquisas com células tronco, e, questionada pela imprensa, retrucou que estava no Supremo Tribunal não para por em prática o entendimento de sua religião, mas, sim, para julgar conforme a Constituição.
No Estado efetivamente laico, o interior das repartições públicas - bem público de uso especial, destinado ao trabalho e à prestação de serviços públicos e para o público - não pode servir de palco para a prática de atos religiosos, inclusive orações. Isso deve ser feito nos espaços próprios dos templos e no espaço privado do praticante.
Em resumo: repartição pública não é lugar de rezar (salvo intimamente, em silêncio), nem de acender vela, bater tambor, ler Bíblia, receber espírito ou erguer altar.
Embora católica, não concordo com essas práticas acima exemplificadas que, ao meu ver, são inconstitucionais. E fico pessoalmente preocupada se os praticantes de outras religiões resolverem, nessas repartições, também por em prática suas celebrações, e me obrigarem a delas participar...

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